DEPOIS DISTO…

Estamos vivendo tempos difíceis… e diferentes. Nossa “normalidade” foi varrida como um furacão e acumularam-se, em nossa mente, uma enxurrada de perguntas para as

Estamos vivendo tempos difíceis… e diferentes. Nossa “normalidade” foi varrida como um furacão e acumularam-se, em nossa mente, uma enxurrada de perguntas para as quais não encontramos respostas – pelo menos não nos canais diários que nos trazem toda sorte de informações.

Uma dessas perguntas diz respeito, precisamente, à possibilidade de que aquela “normalidade” seja ou não recuperada. “O mundo será diferente depois disto”. É sobre esta repetida afirmação nos tempos atuais, inclusive pelo Papa Francisco, que antropólogos, sociólogos, filósofos e outros estão levantando questionamentos e previsões. Todas as nossas atuais realidades, muitas delas positivas, outras bastante negativas, são encaradas como uma “crise global”. Caso haja interesse, cada um faça suas próprias pesquisas e busque suas próprias interpretações. Agora, em três momentos, proponho, ainda que em forma de perguntas mesmo para facilitar sua interiorização, uma breve reflexão sobre o momento presente e futuro à luz da Palavra de Deus no Antigo como no Novo Testamento. Pois “Lâmpada para meus os é tua palavra e luz no meu caminho” (Sl 119, 105).

  1. No que e como o mundo e o seu “mundinho” pessoal serão diferentes? Nos momentos nem sempre muito tranquilos da nossa quarentena, recebendo uma avalanche de noticias, pudemos, quem sabe, projetar nosso futuro pessoal a partir de duas atitudes diametralmente opostas:

a) Você será mais solidário, mais sensível, mais próximo, mais generoso, mais caritativo como nos pede Jesus – “… Amarás teu próximo como a ti mesmo” (Mt 22,39b) – e como resposta ao que está-se revelando, neste tempo: a “solidariedade universal”. Pergunta: como há ou houve uma “pandemia” haverá, em contrapartida, uma “pansolidariedade”? Exemplos iráveis não faltaram sobre os quais podemos pautar nossas futuras atitudes. Atitudes como as dos que já viveram o que é “ter um coração de carne”! Sem falar do heroísmo de alguns que ousaram chegar ao extremo, como o exemplo, até emocionante, do sacerdote italiano idoso, Giuseppe Berardelli, de Bérgamo (Itália), infectado pelo coronavírus que, entubado, no leito de uma UTI, ofegante, tira o aparelho que o ajudava a respirar, e pede para que o ponham no rosto de uma pessoa mais jovem que, a seu lado, ofegante também, já estava quase sufocado pelo vírus…e fechou os olhos para o abraço acolhedor do Pai misericordioso!

b) Você poderá ser como aquele que, já acomodado no seu isolamento obrigatório, insensível e bem instalado no seu bem-estar, mergulhou ainda mais profundamente no seu egoísmo e individualismo – “ainda bem que não é comigo” – e endureceu ainda mais o seu “coração de pedra” tornando-o sempre mais injusto, menos caridoso, ou mais carregado de ódio. Pergunta: não seremos tocados pelo que Deus diz ao profeta Ezequiel: “Extrairei do seu corpo o coração de pedra e lhes darei um coração de carne”, o que faria do Criador o primeiro “cardiologista” a fazer um “transplante” para dar vida nova à sua criatura?

  1. Nossa Igreja, Povo de Deus, como poderá ser “depois disto”? Torna-se inevitável essa pergunta à que tentam responder teólogos e pastoralistas. Quase todos, senão todos, concordam em que nossa Santa Igreja voltará à simplicidade e autenticidade das primeiras comunidades cristãs, portanto deverá procurar voltar ao essencial. Imagem de uma nova Igreja? Quem não se recorda, até emocionado, daquela visão de um ancião, meio trôpego, despojado, simplesmente vestido de branco, atravessando, sozinho, a imensa Praça de São Pedro, em Roma, numa tarde chuvosa, para dar sua bênção à Cidade e ao Mundo? Será essa a imagem de uma nova Igreja, despojada de eminências e excelências, de capas magnas, de casulas e estolas douradas e caríssimas, de vestes esquisitas e fora de época? E também de mitras e báculos que insinuam muito mais dominação e distanciamento, impondo uma Igreja de doutrina e não de acolhimento, aproximação e misericórdia?

E nossas celebrações litúrgicas – muitas vezes apresentadas numa linguagem quase incompreensível – contarão ainda com a presença física dos católicos que se acostumaram, durante o tempo de quarentena a “assistir” em casa às celebrações pela tela da TV ou por outros meios de comunicação social? Providencial iniciativa para uma situação excepcional, reconheça-se! Mas não será para muitos fiéis mais cômodo permanecer em casa usufruindo, ainda, dos benefícios pastorais da quarentena? Ou ainda terão paciência para ar demoradas e enfadonhas homilias declamadas mais para anjos do que para homens e mulheres pé no chão, que vieram à igreja, em muitos casos, somente para cumprir a obrigação de “assistir à missa aos domingos e festas de guarda”, só para não cair em “pecado mortal”?

Finalmente, “depois disto”, depois que um vírus quase insignificante no tamanho, mas mortífero em poder igualou, sem distinção, homens e mulheres, ricos e pobres ,jovens e anciãos, uma nova Igreja restituirá a mesma dignidade, os mesmos direitos de que gozam os homens também às mulheres? Lembro que, há poucos dias, o papa Francisco relançou a Comissão para debater o diaconato feminino! O que pensar sobre isso? “Vi, então, um novo céu e uma nova terra. Pois o primeiro céu e a primeira terra aram, e o mar já não existe…”

Pe. José Gilberto Beraldo

Notícias Relacionadas